Júlio dos Santos Peixe, "Os Va-Chivúri," Noticias, Natal de 1970, p.56.

Os Va-Chivuri constituem uma sociedade menor, segmentada em duas regedorias e instalada entre os rios Uanitze, Massintonto e a fronteira com a União da Africa do Sul. O seu potencial demográfico anda a volta de 5000 pessoas na área deste Concelho. Não é possível calcular-se o número de elementos que se dispersaram por outras regedorias ou por outras divisões administrativas.

Como todas as sociedades, os Va-Chivuri tem as suas lendas, a sua história e apoiam-se em instituicões tradicionais que mantem o pleno vigor e visam os fins que presidiram a sua criação.

Lenda

Este povo tinha por "habitat" originário Mbingádzi (região actualmente conhecida por Vecha, Spelonken ou Saridzúa) em território da tribo Va-Suto. Ainda aí existe um segmento clánico.

Diz a lenda que um grupo de caçadores em perseguição de um "mofo" (elande) atingiu um local da região situada entre os rios Massintoto e Uanitze, onde ao tempo viviam umas ecassas famílias do clã Va-Vumba. Pouco depois um grande grupo conduzido por TXAUKE, ZEULA, MASSINGUE e MAHUMANA veio e instalou-se pacificamente com o acordo tacito dos naturais. Por essa época os Va-Vumba andavam preocupados com as actividades de um grande "Nhanga" de nome MATXINZELE, de clã Va-Mangana que os impedia de beberem as suas bebidas tradicionais, usando o artifício de deitar nas vasilhas de fermentação um produto que avermelhava o conteudo. Supersticiosamente tímidos os Va-Vumba nao ousavam tomar uma iniciativa de acção para eliminar o MATXINZELE. Solicitaram o auxílio dos Va-Chivuri prometendo-lhes como recompensa a filha do chefe. Os Va-Chivuri acharam a recompensa muito modesta e contrapuseram uma proposta de maior vantagem: o direito a terra que ja ocupavam.

Põe-se hoje o problema de se saber se o MATXINZELE foi eliminado pelos Va-Chivuri-Txauque (os da regedoria Chimonhana) ou pelos Va-Chivuri-Zeúla (os da regedoria Chicuembo). É que a solução do problema constituira pressuposto da legitimidade ou não legitimidade do segmento Va-Chivuri-Zeula ao poder autárquico sobre as terras da regedoria Chicuembo.

Os representantes actuais dos clãs que primitivamente ocupavam a região (Va-Mangana, Va-Vumba, Va-Chonga, Va-Massilana e Va-Mucavele) todos, a excepção dos Va-Chongo, apoiam a tese de terem sido os Va-Chivuri-Zeula os que mataram o Matxinzele, tese controvertida pelos Va-Chivuri-Txauque com o apoio do argumento de que o feito constituiu uma acção de coragem dos Va-Chivuri considerados no seu todo.

A analise dos elementos lexicológicos das glorificações ("ku-ti-thopa" ou "ku-thlokovetsela") conduz-nos a conclusão de que no fundo da disputa verbal esta um problema racico que entronca directamente nas origens dos dois segmentos clánicos em causa:

  • Glorificação dos Va-Chivuri-Txauke:
    "Hi-va-ka Chivuri-Txauke, va mona; hi huma nkuwéni wa Mbingádzi; hi Va-Bvexa-Nhlatxwayo (thlavana)-Chivuri"

    Tradução: Nos somos Chivuris do Txauke, somos maus; saimos da figueira de Mbingadzi, mas somos Va-Bvexa-Nhlatxwayo-Chivuri.

  • Glorificação dos Va-Chivuri-Zeula:
    "Hi-va-ka Zeula; hi huma nkuweni wa Mbingadzi; hi Va-Laute"

    Tradução: Nos somos da casa de Zeula; saimos da figueira de Mbingadzi; nos somos Va-Suto.

    Firmado o poder autárquico dos Va-Chivuri-Txauque, o território ficou assim organizado:

  • Na parte setentrional os Va-Txauque com domínio absoluto, mas colocando a frente das terras dos clãs Va-Mucavele e Va-Nhlongo autoridades de segundo grau (Henganacanas), representativas desses clãs.

  • Na parte meridional os Va-Zeula. Como autoridades de segundo grau, representantes do seu clã; como autoridades de terceiro grau ("tindota-ta-miganga") representantes dos primitivos clãs Va-Massilana e Va-Vumba. O clã Va-Mangana sem qualquer representação.

História

O primeiro regedor dos Va-Chivuri foi TXAUQUE. Sucederam-lhe: MATSUVANE, MWAXIMAMBANA, MACOTI, XINHAKA-NHAKA, XICHATANA-PICO, XIMONHANA, MAHANZACACHANA (destituido em 1955 e ainda vivo), MANUEL GUALHE (encarregado da regedoria, irmão do anterior), MAVANDHLA (actual regedor, filho do 8o).

Quando das invasões dos Anduandues de MANUCOSSI (SOCHANGANA) o regedor de todos os Va-Chivuri era MACOTI. Durante a guerra MAUEUE-MUZILA tomaram os Va-Chivuri o partido deste. Vencidos nos primeiros recontros, viram as suas terras razeadas pelas hostes de Maueue. Parte dos Va-Chivuri fugiram para Vecha e outra parte para Magude. Entretanto os Va-Ricotzo ocuparam todo o Chivuri.

Após a vitória de Muzila, os Va-Nguenha, rivais do Va-Ricotzo, reinstalaram as autoridades dos Va-Chivuri.

Durante o domínio de GUNGUNHANA, os Va-Zeula, apoiados por UANCANHANA, regedor dos Va-Ricotzo, reivindicaram os seus pretensos direitos originários. A região foi então dividida em duas regedorias: os Va-Txauque ficaram dominando ao Nordeste, chefiados por XICHATANA-PICO (hoje regedoria Chimonhana); os Va-Zeula ficaram a Sul, chefiados por MAMANGANA (hoje regedoria Chicuembo). Esta divisão foi precedida de uma aliança firmada com o casamento de HECHISSA, filha de MAMANGANA, com UANCANHANA.

Deposto o GUNGUNHANA, apressou-se XICHATANA-PICO a reafirmar a sua vassalagem as nossas autoridades. MAMANGANA, aliado de MUHETE, chefe dos Va-Ricotzo fugiu com este para Saridzwa depois da morte de MAGUIGUANA.

As Regedorias Actuais

A area ocupada pelos Va-Chivuri segmenta-se em duas regedorias: Chimonhana (do sub-clã Va-Txauque) e Chicuembo (do sub-clã Va-Zeula). A sucessão em cada uma destas regedorias defere-se pelo sistema de progenitura simples, a maneira dos Angunes. A regedoria Chimonhana compartimenta-se em quatro areas menores constituindo outros tantos grupos de povoações:

    Txauque--da Sede da regedoria;
    Quitxine ou Mambozéni--do clã Va-Mucavele;
    Missalene--do clã Va-Mucavele;
    Captine--do clã Va-Nchongo

A regedoria Chicuembo divide-se em igual número de grupos:

    Zeula--da sede da regedoria
    Massingue ou Nhiuana
    Mahumana ou Thlongana
    Xi-Konwana ou Daniel.

Todos estes grupos são do clã Chivuri-Zeula.